quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A arte de motivar os empregados

Será que uma simples interação de cinco minutos com outra pessoa pode aumentar de forma espetacular a produtividade semanal de alguém?
Isso é possível em alguns locais de trabalho, explica Adam Grant, professor de administração da Wharton. Grant dedicou períodos significativos de sua carreira à análise do que motiva o trabalhador em ambientes como call centers, farmácias que aviam receitas pelo correio, equipes de salva-vidas de piscina, entre outros. Em todas essas situações, diz ele, o empregado ciente de que seu trabalho tem um impacto significativo e positivo sobre os demais não se sente apenas mais feliz do que os outros, ele é também muito mais produtivo.
Essa conclusão pode parecer muito emocional, porém Grant a documentou em uma série de pesquisas. Em uma experiência, o autor estudou o comportamento dos funcionários assalariados do call center de uma universidade pública encarregados de ligar para prováveis doadores. Esse é um trabalho muitas vezes ingrato: o funcionário recebe um salário baixo e passa por rejeições frequentes de pessoas irritadas com o telefone que toca bem na hora do jantar. A rotatividade é alta e o moral, via de regra, baixo. Como motivar os trabalhadores para que insistam nas chamadas e consigam doações?
Uma resposta relativamente fácil: apresente-os a alguém que foi ajudado pela doação recebida.
No estudo, de 2007, Grant e uma equipe de pesquisadores — Elizabeth Campbell, Grace Chen, David Lapedis e Keenan Cottone, da Universidade de Michigan — promoveram o encontro de um grupo de funcionários do call center com bolsistas que haviam sido beneficiados por doações de fundos à escola em que estudavam. Não foi um encontro demorado — uma sessão de apenas cinco minutos em que os funcionários puderam conversar com os estudantes sobre seus estudos. Contudo, no decorrer dos meses que se seguiram, aquela breve conversa fez uma diferença enorme. O call center acompanhou quanto tempo os funcionários passavam no telefone e quanto haviam conseguido captar em doações. Um mês depois, os empregados que haviam interagido com os bolsistas passaram mais do dobro do tempo de costume ao telefone, tendo captado um volume de doações muito maior: US$ 503,22, em média, por semana, ante US$ 185,94 previamente.
“Até mesmo um contato mínimo, por mais breve que seja com os beneficiários, tem o efeito de manter a motivação do funcionário”, observam os pesquisadores no estudo intitulado “Impacto e arte da manutenção da motivação: efeitos do contato com os beneficiários sobre a atitude de persistência” [Impact and the Art of Motivation Maintenance: The Effects of Contact with Beneficiaries on Persistence Behavior], publicado no periódico Organizational Behavior and Human Decision Processes.
Salva-vidas motivados
A arte de motivar os empregados é um tópico pelo qual Grant se interessou muito antes de entrar para a vida acadêmica. Antes de se formar, ele trabalhou como diretor de publicidade da linha Let’s Go de guias de viagem. “Fazíamos guias de viagem e tínhamos quase duas centenas de funcionários trabalhando em um escritório que ajudava as pessoas que viajavam a ver outros países de uma nova forma nova e com segurança”, lembra. “Nenhum dos editores interagia de fato com seus leitores de carne e osso.” Grant suspeitava que seu pessoal acharia seu trabalho mais gratificante, e provavelmente trabalharia muito mais, se pudesse interagir regularmente com os leitores cujas viagens pelo mundo afora eles viabilizavam.
No negócio de guias de viagem, Grant nunca teve a oportunidade de pôr em prática aquele palpite. Contudo, quando cursava o doutorado na Universidade de Michigan, voltou ao assunto por meio dos call centers, centros esportivos e salas de aula. Foram esses seus primeiros laboratórios.
De acordo com Grant, a simples conscientização de que o trabalho que fazemos tem um impacto sobre outros pode ajudar na motivação. Em um estudo que se seguiu ao publicado em 2007, Grant trabalhou com um grupo de salva-vidas de um centro de recreação comunitária. Alguns leram histórias que descreviam casos de salvamento realizados por salva-vidas. Um segundo grupo recebeu um material de leitura diferente: testemunhos de salva-vidas que relatavam como seu trabalho os deixava realizados. O resultado foi que as horas de trabalho dos salva-vidas que haviam lido sobre sua capacidade de evitar fatalidades aumentaram mais de 40%, ao passo que os profissionais cuja leitura meramente os informava a respeito do trabalho do salva-vidas, e de como ele enriquecia pessoalmente o profissional, continuaram a trabalhar no ritmo de sempre. Os resultados foram publicados em um estudo intitulado “A importância do valor da tarefa: efeitos sobre o desempenho profissional, mecanismos relacionais e condições limítrofes” [The Significance of Task Significance: Job Performance Effects, Relational Mechanisms, and Boundary Conditions] no Journal of Applied Psychology.
Ver é crer
Além da conscientização do impacto da tarefa realizada, conhecer pessoalmente pessoas que se beneficiam de um trabalho bem feito pode melhorar de maneira sintomática o desempenho do funcionário. No estudo de Grant de 2007, uma segunda experiência analisava de que forma se comportava um grupo de estudantes cuja função era editar as cartas de apresentação de colegas que haviam entrado em contato com o Centro de Carreira da universidade em busca de auxílio para encontrar emprego. Um grupo de estudantes encarregados do trabalho de edição teve a oportunidade de se encontrar com um provável beneficiário que passou por ali para deixar suas cartas. Seguiu-se uma conversa superficial entre o candidato e a equipe de editores sem que aquele soubesse que conversava com as pessoas que fariam os ajustes finais em sua carta. Outro grupo de editores trabalhou em cartas de apresentação idênticas sem jamais tomar contato com seus autores. O resultado foi que os indivíduos que haviam tido contato com o estudante que procurava emprego — embora a conversa tenha sido superficial e se desenrolara apenas no momento em que o estudante passara por ali para deixar sua papelada — gastaram muito mais tempo na edição da carta de apresentação do que os demais que não haviam tido a mesma experiência.
Contudo, há mais no simples contato do que a mera ideia de que vale a pena pôr lado a lado o trabalhador e a pessoa a quem seu serviço diário ajudou. Numa segunda etapa da experiência do Centro de Carreira, por exemplo, as informações supostamente biográficas do estudante que procurava emprego foram editadas. Uma vez mais, ambos os grupos de editores trabalharam em pacotes idênticos de cartas de apresentação. Contudo, tiveram acesso a uma informação pessoal que o estudante havia submetido ao Centro de Carreira. Em uma página, ele dizia que precisava desesperadamente de um emprego, e comentava sua dificuldade em pagar suas contas. No outro grupo, a afirmação pessoal não era apresentada nesse tipo de linguagem. Um grupo de editores encontrou-se pessoalmente com o estudante para alguns minutos de conversa descontraída, ao passo que o outro grupo de editores não teve contato com ele.
Tal como na experiência de Grant com os salva-vidas, foi de fundamental importância tomar conhecimento da extrema necessidade pessoal do estudante, o que revelava a importância do trabalho dos editores. Todavia, tomar conhecimento das necessidades do beneficiário e conhecê-lo pessoalmente teve um grande impacto sobre a motivação daqueles trabalhadores. Os editores que não sabiam da terrível situação financeira do estudante gastaram, em média, 27 minutos em sua carta. Os editores que tomaram conhecimento do aperto financeiro do estudante, porém não o conheceram pessoalmente, gastaram 26 minutos cada um na carta. Somente os que haviam tido contato pessoal com ele e tomaram conhecimento de suas dificuldades trabalharam mais na tentativa de ajudá-lo, gastando mais de meia hora na edição da carta de apresentação, o que dá uma média de 20% a mais do que os outros editores.
Grant diz que a percepção da “importância da tarefa” é a mola-mestra de tudo, e que a interação face a face, mesmo que superficial, pode servir de meio para inculcar na equipe tal percepção. Em outros estudos, Grant constatou que engenheiros, vendedores, gerentes, representantes de serviços de atendimento ao cliente, médicos, enfermeiras, técnicos em medicina, seguranças, policiais e bombeiros que observam diretamente o impacto do seu trabalho sobre outras pessoas apresentam melhor desempenho.
Ao longo de vários anos de experiências e pesquisas, Grant e seus colegas detectaram algumas outras nuanças decorrentes do contato pessoal do empregado com o beneficiário do seu trabalho. O funcionário dotado de um conjunto forte de “valores sociais”, por exemplo — caso dos que dizem concordar enfaticamente com afirmativas do tipo “considero importante atender à necessidade de outros” —, são muito mais propensos a serem influenciados pela ideia da importância do seu trabalho. Por outro lado, o trabalhador em geral consciente, que supostamente trabalha duro, quer sua atividade seja ou não benéfica, não demonstra nem de longe o mesmo grau de desempenho no momento em que toma contato pessoal com quem se beneficia do seu trabalho.
Contudo, Grant diz que em uma economia interconectada, em que os trabalhadores estão cada vez mais isolados fisicamente do usuário final, é importante que o empregador crie sistemas que reforcem a tomada de consciência do profissional em relação às pessoas que ajuda. “A tecnologia é uma espada fascinante, porém de dois gumes”, diz Grant. “De um lado, existe uma possibilidade cada vez maior de ligar o empregado ao usuário final de diferentes regiões geográficas [...] Por outro lado, entretanto, a tecnologia impede esse tipo de contato porque é possível trabalhar sem sua mediação.”
Isso é um erro, diz Grant, e muitas empresas se esforçam atualmente para evitá-lo. O fato é que Grant está em contato com diversas empresas para fixar procedimentos rotineiros nesse sentido. Uma delas, uma companhia farmacêutica que trabalha com receitas pelo correio, criou um sistema em que os farmacêuticos da empresa visitam de tempos em tempos as farmácias para interagir com a clientela. Criou-se também um procedimento por meio do qual as fotos dos clientes são fixadas aos arquivos de correio. A ideia é que a humanização dos nomes nos formulários médicos possa melhorar o desempenho e minimizar o número de erros durante o trabalho crucial, porém rotineiro, da entrega farmacêutica.
Até mesmo em empresas cuja missão básica não consiste em ajudar as pessoas, os gerentes deveriam se preocupar em estimular o contato mais frequente entre os funcionários e outras pessoas dentro da empresa que se beneficiam do seu trabalho, diz Grant. “Todo o mundo tem um usuário final. Em alguns casos, esses usuários estão mais dentro do que fora da empresa. Há casos em que a gerência pede a seus funcionários que priorizem usuários finais que nada mais são do que colegas de trabalho, funcionários de outros departamentos ou mesmo outros gerentes.” A questão, diz Grant, é a seguinte: “Como fazer do contato um procedimento rotineiro, seja por meio de conference call semanal com outros colegas de trabalho ou de um contato mensal?”
A caridade corporativa pode ter também um efeito de incremento da produtividade. “Parte da minha pesquisa recente com empresas listadas na Fortune 500 mostra que se você tem empregados cujo objetivo primordial no trabalho não consiste em ajudar as pessoas, em que não há um grupo claro e definido de usuários finais, podemos pensar na filantropia corporativa como substituta disso. Uma opção consistiria em dar às pessoas a oportunidade de se responsabilizar pela prestação de serviços significativos à comunidade e que seriam patrocinados pela empresa, de forma que cheguem à seguinte conclusão: ‘Faço diferença aqui.’”