quarta-feira, 20 de abril de 2011

Compras coletivas disparam na América Latina

Há uma nova febre na América Latina que provoca paixões e chega a viciar homens e mulheres de 25 a 45 anos: as compras coletivas pela Internet. Com empresas que crescem 40% ao mês, a onda de promoções para a aquisição de ingressos para espetáculos, jantares ou cupons para salão de beleza, passeios turísticos e uma infinidade de serviços parece não ter limites. Pelo menos a curto prazo, já que se espera a chegada de novos concorrentes e a adesão de milhares de compradores tentados pela comodidade de comprar sem sair de casa ou do trabalho com descontos que chegam, em alguns casos, a 80%.

Isso se consegue com volume, isto é, os sites podem oferecer preços competitivos se conseguirem um número determinado de compradores. Têm direito aos descontos os usuários registrados no site. Eles imprimem então os cupons cujos prazos variam (de 3 a 12 meses) no momento em que se alcança o quórum mínimo necessário para que a oferta passe a valer. O segredo está na validade das ofertas (um dia) que são feitas por cidade.
"É um mercado que está crescendo no mundo todo. Começou primeiramente nos EUA e se espalhou imediatamente pelo resto da América, Europa e Ásia", diz Sebastián Pereira, diretor regional do Groupalia, um dos sites de compras presentes nos principais mercados da região e que, de acordo com dados da empresa, cresce 40% ao mês na Argentina.
"O mercado latino-americano adere muito rapidamente a esse tipo de esquema" de compras, observa o economista Eduardo Remolins, professor da Universidade Nacional de Rosário. Isto se deve ao fato de que "há uma população cada vez maior com acesso a Internet e lojas que compreendem o sistema e os seus benefícios", explica. Em suma, o continente tem 600 milhões de habitantes, dos quais 200 milhões estavam conectados a Internet em 2010, o que representa um percentual de penetração de 34,5%, número superior aos 29% de penetração mundial, de acordo com dados da Internet World Stats, site internacional de estatísticas sobre o comércio online.
Por outro lado, um estudo feito pela AméricaEconomía Intelligence intitulado "A força do comércio eletrônico na América Latina" observa que o comércio eletrônico dirigido ao consumidor (B2C) cresceu na região 39,2% em 2009, totalizando US$ 21,775 bilhões. Esse número pode ter chegado, em 2010, a US$ 28 bilhões em razão da maior penetração do computador e da tecnologia de banda larga, bem como a maior segurança nas transações. De acordo com dados do último estudo anual da Câmara Argentina de Comércio Eletrônico (CACE), o número total de transações online em 2010 cresceu 48% em relação ao ano anterior, o que corresponde a 7,148 bilhões de pesos ou US$ 1,760 bilhão de dólares na modalidade B2C. Em uma nota da instituição distribuída à imprensa, o órgão explica que esse rápido desenvolvimento se deveu a vários fatores: ao aumento da quantidade de usuários de Internet totalizando 26,5 milhões de pessoas, ao crescimento do percentual do contingente que faz compras online totalizando 32% dos usuários de Internet, e ao aumento contínuo das empresas, serviços e produtos desse setor, como é o caso dos grupos de compras.
"O montante gerado pela Internet representaria 3% das vendas totais do varejo argentino e 1,93% do PIB", disse em entrevista coletiva a presidente da CACE, Patrícia Jebsen.
Um sistema novo?
Para Carlos Galli, diretor do Departamento de Comercialização da UADE (Universidade Argentina da Empresa), "esse modelo de negócio — de cupons de desconto na Internet — existe há vários anos", diz. O modelo deu os primeiros passos na era pontocom, mas fracassou porque as compras via Internet não estavam tão difundidas quanto agora, e o cliente não confiava nas transações online.
Todavia, o modelo ressuscitou com forças renovadas. Galli diz que, agora, "a novidade é a entrega, isto é, pode-se imprimir o cupom, e o impacto dos meios sociais como o Facebook ou o Twitter, através dos quais o consumidor pode seguir as ofertas. Como negócio, diz, "tem a particularidade de gerar tráfego online que desemboca em tráfego offline — ou, o que é o mesmo — vai do mundo virtual para o real".
Para Pereira, da Groupalia, o boom ocorreu, em primeiro lugar, "porque se trata de um conceito simples, isto é, quanto mais comprarmos, mais poderemos baixar os preços. Em segundo lugar, pela variedade de coisas que o sistema oferece. Há uma quantidade de produtos e serviços que são difíceis de encontrar em outro lugar: restaurantes, descontos em salões de beleza, agências turísticas e outras coisas mais improváveis como passeios de parapente. Em terceiro lugar, permite ter acesso a locais mais próximos de onde a pessoa vive, quando antes o e-commerce era mais global".
Com vantagens desse tipo, as empresas que oferecem benefícios têm uma nova forma de fazer marketing e de promover seus negócios "mediante uma campanha de publicidade a custo zero e com a vantagem de que conseguem um volume novo de clientes que, de outra forma, não teriam como conseguir", observa Pereira.
É o que pensa também Remolins, já que para uma empresa "garantir que só oferecerá um determinado desconto (por maior que seja) quando houver um número determinado de clientes dispostos a aproveitá-lo (isto é, dispostos a comprar o produto), essa é a forma mais eficiente de fazer campanha promocional. Muito melhor do que a publicidade tradicional, que pode ser muito cara e seus benefícios incertos e difíceis de mensurar".
Resumindo, esse sistema permite que sejam atendidos os três pilares que formam o circuito: consumidor, empresa e as páginas de Internet que oferecem a plataforma e ganham uma comissão pela transação que pode chegar a 20%. "Do ponto de vista do usuário que adquire os cupons, há a oportunidade de experimentar algo novo a um preço baixo, o que permite ampliar o consumo de produtos na economia. Do ponto de vista do usuário que publica seu negócio, é ideal para os comércios pequenos e médios com recursos limitados no que diz respeito à utilização de ferramentas de marketing tradicional para dar a conhecer sua empresa", observa Galli, da UADE.
Diego Regueiro, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Palermo (UP), agrega outro detalhe: "Para o usuário, ao benefício meramente econômico soma-se o fator social, uma vez que é uma forma de compartilhar descobertas e vantagens com sua rede de amigos e conhecidos." Para Regueiro, portanto, as empresas de maior prestígio preferem não aderir às promoções, já que "para elas não vale a pena pôr em jogo ou em risco sua imagem e posição no mercado por causa de um conjunto de ofertas. Por outro lado, empresas de serviços temporários como hotéis e cinemas, ou outras de margem alta e baseadas no desejo, e não em necessidades básicas (como os spas), são candidatos naturais à exploração dos seus espaços vazios por meio desses mecanismos".
Perfil do usuário
Se analisarmos o perfil do usuário médio dos sites de compras coletivas veremos que, na América Latina, a clientela é composta por homens e mulheres entre 25 e 45 anos com acesso a Internet e pertencentes à classe média ou alta. "De modo geral, o cliente já está habituado a usar a Internet. Há mais mulheres do que homens nas ofertas do setor de beleza. São pessoas que trabalham com cartão de crédito e têm acesso à banda larga, isto é, indivíduo de classe média para cima", diz Pereira, da Groupalia, um site de grande penetração no Chile devido ao uso de cartões de débito, "um sistema que não está muito avançado em outras partes da região. Com relação ao comportamento do consumidor, é parecido em todos os países", disse.
Contudo, faltava ao setor derrubar alguns mitos e obstáculos que influíam na decisão de compras, como a falta de cartão de crédito ou de débito, o medo de usá-los e a desconfiança do consumidor de que pudesse receber um produto diferente daquele pelo qual pagou.
Por outro lado, há dúvidas sobre o funcionamento do sistema e dos mecanismos de devolução quando o cliente não está satisfeito com o produto. "O desafio da empresa consiste em saber mensurar o impacto do lançamento de um cupom e se preparar para atender à demanda sabendo, de antemão, se conta com a estrutura necessária para atendê-la, oferecendo ao usuário uma boa experiência que lhe permita gerar um vínculo de recorrência de compra, conhecendo exatamente sua estrutura de preços e de custos", observa Galli, da UADE.
No caso da Groupalia, "temos uma política de devolução. Avaliamos caso a caso. Tivemos alguns casos pontuais já resolvidos, como o fechamento de uma loja antes do vencimento dos cupons. Tivemos de restituir o comprador", diz Pereira.
Todos os dias há promoções tentadoras na caixa de correio das pessoas inscritas nas páginas de compras. Desse modo, cria-se uma mania e até um vício do consumidor em não perder os melhores descontos e promoções. "O sistema poderia ter como desvantagem a erosão do preço, e também o fato de que os usuários se acostumem a utilizar os serviços somente quando estão em oferta. O sistema de cupons de desconto, em geral, era usado para que o consumidor reconhecesse o produto e depois continuasse a consumi-lo sem o desconto inicial. O maior risco atualmente é o de que, dado o rápido acesso às ofertas, o consumidor compre apenas por causa do preço", adverte Galli.
Desafios do setor
Na Argentina já há mais de 20 sites de compras coletivas: Groupon, Groupalia, Pez Urbano, LetsBonus, No te la pierdas, Agrupate, Click On etc. Todos estão à caça de novos usuários e buscam uma forma de se diferenciar da concorrência. Há um site muito popular, Dealandia, que reúne todos os descontos em um só lugar.
Remolins, da Universidade Nacional de Rosário, diz que "surgirão naturalmente muitos outros sites e a concorrência se acentuará. À medida que a concorrência pressionar fortemente os descontos para cima (isto é, à medida que as ofertas forem se tornando mais caras para a empresa), precisamente com o objetivo de capturar e reter clientes, o sistema poderá deixar de ser atraente para as empresas. Os clientes, é claro, agradecem. Haveria uma guerra de preços (de descontos) entre as empresas para atrair o cliente", diz. Remolins acrescenta que outra opção seria a concorrência "pressionar para baixo a tarifa dos sites (o que é possível), deixando contente não só a clientela como também as empresas. Seria uma guerra de preços entre sites como o do Groupon para atrair as empresas. É claro que pode haver uma mistura de ambas as coisas".
Resta saber até que ponto os clientes estão dispostos a consumir esse tipo de serviço ou em que momento vão se cansar de receber por e-mail essas tentações. "Para segurar o cliente, os sites precisam investir em customização, para não saturá-lo com milhares de ofertas que talvez não o interessem. As empresas de cupons estão trabalhando em um modelo no qual de cada 40 ofertas diárias feitas, as pessoas recebam uma só", diz Galli, da UADE.
Pereira crê que entrarão outros concorrentes no setor, "mas haverá também quem desista. Há muitos pequenos que terão dificuldade em se posicionar. A escala vai pesar. Nós, por exemplo, usamos a tecnologia da informação em 10 países, mas uma empresa local tem que fazer sua amortização em um lugar apenas", explica Pereira.
Seja como for, Remolins acredita que pode haver um "efeito Google". Isto é, durante algum tempo, pelo menos, "uma só empresa concentrará tantas vantagens de escala ou de rede (ou seja, a vantagem de ser muito grande e de ter se desenvolvido bastante e em primeiro lugar) que ficará com a parte do leão do mercado, exatamente como aconteceu com o Google".
Regueiro, da UP, também acha que haverá uma depuração em que serão poucos os ganhadores nessa nova tendência: "Resta saber quem serão, se serão os que fazem sucesso hoje ou os novos que surgirão. A princípio, parece fácil entrar na concorrência, o que facilita a proliferação de opções. Contudo, tudo o que pulula na Internet em algum momento terminará em uma concentração natural em poucas mãos."

Publicado em: 20/04/2011

Fonte: wharton.universia